domingo, 27 de abril de 2008

Emissoras fazem da cobertura do Caso Isabella Nardoni uma telenovela

Domingo, 20 de abril de 2008, pela primeira vez o pai e a madrasta de Isabela Nardoni, morta de forma misteriosa no final do mês passado, falaram sobre o caso para o repórter Valmir Sallaro, no Fantástico, da Globo. Depois de muito anunciar a matéria, o programa exibiu em duas partes a entrevista feita com apenas uma câmera.


O resultado se viu na audiência: desde abril de 2007, o dominical não atingia resultados tão bons (33 pontos de média, com 42 de pico, segundo dados do Ibope). Nos últimos meses, o Fantástico vem sofrendo para conseguir uma média parecida com a de seus tempos áureos, quando ultrapassava facilmente os 30 pontos.

Este é somente um exemplo da cobertura sensacionalista que a mídia brasileira tem feito sobre o caso. De jornais conceituados a programas de auditório popularescos, o respeito e o bom senso se perderam entre os estimados pontos do Ibope.

Luciana Gimenez, da Redetv!, após sua "triunfal' entrada no estúdio do "Superpop" aos gritos de uma platéia estática, olha de maneira séria para a câmera e anuncia, através da legenda, que irá, ao lado de Marcelo Rezende, tentar desvendar o "Caso Isabella". No final, enquanto a equipe, provavelmente, comemorava os ótimos resultados de audiência, Luciana pediu para que o presidente da República não deixasse o caso sem um final justo.

A Band e a Record também possuem motivos para comemorar. Datena e seu "Brasil Urgente" (Band), Luciano Faccioli e o "São Paulo no Ar", e o "Balanço Geral", de Geraldo Luis, ambos da Record, não cansam de repetir as mesmas informações, tentam criar novidades e entrevistam qualquer pessoa que queira dar sua opinião sobre os últimos acontecimentos. O resultado se vê nos números. A audiência dos telejornais, de maneira geral, cresceu 46% na primeira quinzena de abril."Eu faço um jornalismo sério", dizia, talvez com dor na consciência, o incansável apresentador Geraldo Luís, do Balanço Geral, que acaba de renovar seu contrato com a emissora da Barra Funda.

Sonia Abrão, da Redetv!, também viu os resultados de seu vespertino "A Tarde é sua" crescerem. Durante as três horas diárias em que está no ar, a apresentadora não cansa de ouvir a opinião de seus convidados sobre o tema, além, é claro, de exibir matérias em que a revolta do povo é demonstrada com gritos efusivos para a câmera.

A cobertura do caso "Isabella" ganhou ritmo de telenovela. Mocinhos e vilões são seguidos durante todo o tempo, os telespectadores acompanham com ansiedade cada nova revelação, torcem por um final justo, digno de último capítulo. Para as emissoras de tv, a novela ainda poderá render bons frutos de audiência, pelo menos até que a próxima tragédia aconteça e tome o lugar que hoje é de Isabella e sua família.

sábado, 19 de abril de 2008

A luta para Edmar virar Heyd:

a difícil troca de sexo pelo SUS

A história de luta e preconceito de uma das primeiras pessoas a conseguir mudar de sexo pelo SUS

O homem de cabelos curtos e roupa discreta não lembra em nada a mulher de calça jeans apertada, blusa justa com brilhos, salto alto e cabelo na altura do ombro.

Até 2006 seu nome era Edmar. Agora é Heyd. A terceira pessoa no Brasil a conseguir uma cirurgia para mudança de sexo pelo SUS (Sistema Único de Saúde)

Aos 32 anos, Heyd se emociona ao lembrar de sua história. Desde cedo sabia que tinha nascido para ser mulher. Usava roupas femininas e brincava como as meninas.

Preocupada com o visual, Heyd pede desculpas por estar vestindo uma blusinha preta com brilhos, calça jeans justa e salto alto.

Durante a infância, Edmar cuidava de tudo em casa. Saía calçando conga, mas escondia uma ?melissinha? na mochila, e trocava no caminho para a escola.

Lá, os uniformes eram divididos entre duas cores: azul para os meninos e vermelho para as meninas. Edmar fazia a mãe comprar o uniforme vermelho. Ele só iria à escola se fosse vestido como as meninas. A solução encontrada pelo colégio foi unificar a cor do uniforme para ambos os sexos.

Preconceito desde cedo

O preconceito esteve sempre presente na vida de Edmar. Ela conta, emocionada, do dia em que chegou em casa chorando da escola por causa da discriminação das outras crianças. Sua avó perguntou o que estava acontecendo, Edmar resolveu falar toda a verdade para a avó, que disse para o neto:

? Era para você ter nascido anjo. Porque anjo não tem sexo.

O pai nunca aceitou a situação de seu filho. Ele sempre o discriminou. Com 13 anos de idade, Edmar resolveu sair da casa de seus pais. Foi para a rua. A primeira noite, passou em frente ao metrô São Joaquim, na cidade de São Paulo. Por lá, foram somente mais dois dias. Sua mãe disse que não deixaria um filho seu dormindo na rua. A mãe de Heyd trabalhou durante 18 anos no Hospital e Maternidade Santa Joana, e foi lá que Edmar foi recebido por um pequeno período.

Um tempo depois, uma professora de Edmar o levou para sua casa, por onde ele ficou morando durante alguns anos. Lá, era tratado como alguém da família. Convivia com os filhos e com o marido da professora, como se fossem da sua própria família.

? Uma segunda família para mim. - conta Heyd, emocionada.

A vida sentimental dela sempre foi tranqüila. O primeiro namorado de Heyd foi Flávio, quando estudavam juntos na sétima série. Atualmente, Flávio é casado e contou toda a história de sua ex-namorada para sua mulher. Heyd foi madrinha de seu casamento e às vezes chega a ir jantar com o casal.

Há 7 anos, ela está namorando Luís Carlos, pai de dois filhos. Ela ainda não teve coragem de conhecer a família do namorado.

? Não estou preparada para conhecer as feras. ? brinca referindo-se aos filhos de seu namorado.

Heyd demonstra ter a auto-estima elevada, como quando conta que uma vez a irmã do namorado a viu de longe e falou para Luís Carlos que a namorada dele era muito bonita.

? Eu tenho que gostar de mim para outros também gostarem.

Antes mesmo de começar a luta para conseguir a cirurgia de mudança de sexo através do SUS, Heyd já convivia com o ciúme das irmãs por causa de sua aparência física, que segundo ela, puxaram seu pai: ? Gordinho e baixinho. Diferente de Edmar, alto e magro.

Relação familiar

A conversa é interrompida com o toque de celular de Heyd. É o seu sobrinho Mateus, de 9 anos, quem está do outro lado da linha. Ela sorri e se emociona a cada vez que fala sobre o menino.

Quando sua irmã estava grávida de Mateus, ela falava que não queria que Edmar convivesse com a criança, pois isso poderia acarretar futuros danos na educação do menino. O cunhado de Heyd chegou a ir ao Conselho Tutelar para tentar proibir essa convivência.

A auto-estima elevada é demonstrada mais uma vez quando Heyd conta que o seu ex-cunhado e sua irmã já chegaram a discutir por ele ter falado que o corpo de Heyd era mais bonito do que o de sua esposa.

Na época em que ficou fora de casa, continuou ajudando a família. Pagou uma reforma na casa e cuidou do pai quando ele teve um graveproblema de saúde e foi parar no hospital.

? Eu dava banho no meu pai, fazia os curativos, levava ao médico.
Heyd já estudou Arquitetura, Moda e acaba de parar de fazer um curso de Enfermagem por falta de condições financeiras.

? Nunca me prostituí. - conta. Hoje, desempregada, chega a fazer faxina.

Ela gostaria de trabalhar com figurino, como quando estudou no SENAI. Na época, Heyd fez estágio no programa infantil ?Bom Dia & Cia?, fazia o figurino da apresentadora da atração matinal exibida diariamente no SBT. Depois, chegou a dar aulas no próprio SENAI.

A decisão de operar

E esse foi, justamente, um dos principais motivos para Edmar lutar tanto pela cirurgia de mudança de sexo. Nesta época, surgiu uma grande oportunidade de trabalho ligado à moda fora do Brasil, Edmar não pôde ir pelo fato de sua documentação não ter relação nenhuma com sua realidade e aparência.


? Foi aí que decidi tomar a atitude. ? fala Heyd sobre a decisão de fazer a cirurgia de mudança de sexo. ? Ou eu mudava, ou eu ia passar o resto da minha vida na clandestinidade. Heyd gastou seus últimos 100 reais com a primeira consulta para saber todos os detalhes sobre a cirurgia de mudança de sexo. Entrou na sala do médico Jalma Jurado às 14h30 e saiu de lá às 17h. O médico avisou para Edmar que o processo seria complicado e que iria demorar para conseguir a cirurgia pelo SUS. Se fosse particular, todo o processo não sairia por menos de R$ 35 mil, dinheiro que Heyd não teria para pagar por uma cirurgia. Foram longas madrugadas em filas imensas para conseguir marcar consultas e exames, Heyd chorou muito, mas não desistiu: ? Eu pensava: Calma! Amanhã é outro dia. Durante todo o processo para conseguir a cirurgia, Heyd teve que passar por várias etapas e avaliações. Tudo exigido pela juíza. Entre elas, teve que provar que nunca havia modificado nada em seu corpo. Três vezes por semana eram feitos testes psiquiátricos que investigavam toda a sua vida para saber se a história era realmente verdadeira ou não. Heyd conta que em seu caso há uma disfunção genética, ou seja, segundo ela, ?não há uma identificação com o sexo que vem na pessoa?. ? Os transexuais não fazem a cirurgia (de mudança de sexo), porque muitas vezes vivem disso (prostituição). Com o homossexual pode ocorrer a inversão de papel. Eu mesmo tenho um amigo que era gay e hoje tem filho e é casado. ? acredita Heyd. Para que ela conseguisse a cirurgia, os laudos psiquiátricos e endocrinológicos foram decisivos. Depois de 4 anos e meio de luta, a primeira cirurgia foi adiada de agosto para outubro de 2005, pois Heyd queria colocar próteses de silicone na mesma operação e até agosto não havia conseguido a cirurgia nos seios. Os médicos abriram contas, auxiliaram financeiramente. Todos estavam juntos para ajudar Heyd a realizar a cirurgia. Deus me deu uma legião de anjos. ? comenta referindo-se aos seus médicos. O dia da cirurgia
No dia 4 de outubro de 2005, Heyd fez, finalmente, a primeira operação, que durou 12 horas. No dia seguinte, sofreu duas paradas cardíacas. Ela conta que seu sobrinho Mateus sentiu que ela estava ?indo embora?.


? Minha mãe conta que acendia a vela e ela apagava sozinha. O pai, que sempre teve muito preconceito contra o filho, sentou no sofá e chorou dizendo que havia demorado 4 anos para que seu filho conseguisse isso e que agora ele iria embora. Foi no hospital que Heyd recebeu do pai pela primeira vez a resposta de uma ?Benção?. Ela conta, emocionada, do momento em que o pai disse ?Fica com Deus, filho? e fala que o sobrinho chama a atenção do avô até hoje quando ele fala para alguém que tem um filho, e não filha. ? Há cerca de um mês foi a primeira vez que meu pai disse para os amigos dele ?Essa é minha filha?. Heyd sobreviveu a duas paradas cardíacas. Mas, por causa delas teve que fazer 5 correções cirúrgicas em um período de seis meses. Sendo que a última foi realizada no dia 29 de março de 2007. As cirurgias foram realizadas no Hospital de Caridade São Vicente de Paula, em Jundiaí. O primeiro caso feito pelo SUS na cidade do interior de São Paulo. Heyd conta que quase não sentiu dor. Oito dias após a operação, ela já andava normalmente. Sua mãe a levou para casa para que ela se recuperasse, falava que Heyd havia feito muita coisa para a família, mesmo não estando presente. Em agosto de 2006, Edmar recebeu a notícia que tanto esperava: Havia saído a nova documentação. Agora era oficialmente Heyd tanto no RG quanto na certidão de nascimento. A escolha do nome foi algo difícil para ela. Não gostava de Edmara, que seria uma espécie de feminino de seu nome (Edmar). Mateus, o sobrinho de 9 anos de Heyd, disse que gostaria de escolher o nome. Ele dormiu e quando acordou escreveu, desta maneira, o nome que gostaria que a tia tivesse: Heyd. O pós operatório Luís Carlos, seu namorado, passou a admirá-la ainda mais depois de toda esta história. Ela afirma que sente o mesmo prazer que qualquer mulher sente quando se relaciona com alguém. ? Não me considero diferente de ninguém. ? diz Heyd
Os parentes sempre criticaram Heyd. Ela e sua mãe nunca freqüentaram as festas de família.


? Depois da cirurgia, duas vans cheias de parentes que eu nunca tinha visto apareceram em casa somente para ver o resultado da cirurgia.


Pelo resto da vida, Heyd terá que tomar hormônios e pelos próximos 5 anos, ela tem que voltar ao endocrinologista para refazer os exames. Ela toma seis caixas de remédio de R$ 54 por mês.


Em julho, ela fez sua primeira visita ao ginecologista. Tem vontade de adotar uma criança, mas conta que além de Luis Carlos, seu namorado, já ter dois filhos, que ela ainda não conhece, sua melhor amiga, ?amiga-irmã?, Patrícia, morreu e deixou uma filha, hoje com 17 anos. ?Sou a mãe tia?. Quando Mateus, o sobrinho de Heyd nasceu, a filha de Patrícia teve que ir ao psicólogo para fazer terapia por crise de ciúme. Ela conta que até hoje os dois chegam a brigar por causa da tia.


Batizada na Igreja Católica, Heyd acredita em Deus como uma energia superior. Ela se considera sensível, fechada e muito determinada.


? Ia me trocar, vim direto do médico, mas não deu tempo.


A relação de Heyd com o médico que fez sua cirurgia é paternal. Ela conta que conhece a família dele e que mantém uma relação afetiva com todos que o rodeiam.


Na faculdade de medicina de Jundiaí, todos conhecem Heyd. Quando ela passa, as pessoas a cumprimentam, mesmo sem ela saber quem são. Entre os seus planos para o futuro está escrever um livro contando sua história.