quarta-feira, 30 de março de 2011

Morrer é tão difícil

Nascer é tão difícil. A gente passa nove meses dentro de uma barriga, depois ficamos horas num hospital tentando sair para o mundo. E quando saímos: Surpresa! Estamos chorando.

Mas morrer também é tão difícil. O mundo criou tantas burocracias que um momento tão íntimo, de tanto sofrimento, acabou virando mais uma incansável batalha para um fim digno.

A partir do momento em que o coração para e os olhos se fecham, um mundo de papéis começa a surgir. É um problema atrás do outro para tentar dar um final merecedor para quem fez tanto durante a vida.

Não sabemos o que sentimos quando morremos, mas, para nós, as pessoas que nós perdemos não se tornaram simples cadávares, como anunciam as placas do necrotério.

A naturalidade que tentam tratar o "reconhecimento do corpo", a assinatura do atestado de óbito, não condizem com a dor que passamos neste momento. Só queremos paz e tranquilidade.

Só queremos a pessoa de volta. Mas enfrentamos obstáculos, seres humanos despreparados para lidar com seres humanos e muita falta de respeito.

Depois de horas de sofrimento, conseguimos ajeitar as coisas para o maior sofrimento: ver a pessoa que você tanto gosta partir para sempre.

Mas antes disso, ainda temos que ver apresentações de slides do agente funerário mostrando modelos de caixão no Power Point.

A angústia nos consome quando percebemos que em pouco tempo, aquela pessoa será apenas lembrança e estará lá sozinha, dentro daquele objeto que você escolheu através de uma apresentação de slides.

Depois de tantas batalhas, a pior delas chega e você se vê sozinho entre suas lágrimas. Uma hora ou outra, você estará sozinho e vai chegar a hora de reavaliar tudo. Será que tratamos a vida como ela deve ser tratada? Será que tratamos as pessoas como elas devem ser tratadas? Sofremos por razões sérias? Lutamos o máximo que podemos lutar? Agradecemos o quanto devemos agradecer? Dizemos verdadeiros "eu te amo" para quem amamos?

Nestes últimos 3 meses, acompanhei de perto a maior luta pela vida que eu já presenciei. Vi do meu lado alguém tão importante sobreviver a cada dia sem temer que pudesse ser o último. Vi um sorriso depois de tanto desânimo. Acreditei na esperança. Vi a maior força de vontade. E quando todos desacreditaram, vi minha vó mostrar que ainda era possível.

A gente não entende a ordem natural das coisas, a gente não entende o fim da vida, mas a gente guarda dentro de nós as histórias e os exemplos das pessoas que estarão sempre com a gente. Dentro de nós temos sempre em nossa memória a importância de cada um que um dia passou por nós. E da minha vó levarei para sempre a coragem de ter conseguido criar sozinha cinco filhos e de ter lutado o máximo que ela pôde, de ter corrido atrás da vida o tanto que ela correu e de ter colocado no mundo um pai tão especial.

E depois de tanta luta, um descanso merecido para uma guerreira.

Um comentário:

  1. Comps,
    muito emotivo seu texto, mexeu comigo. Hoje ouvi uma historinha que adaptei da minha forma e vou contar em algumas mínimas linhas.
    É comum uma pessoa que está muito mal, internada por muitos meses e que parece que nunca mais terá uma segunda chance se recuperar de uma hora para outra. Mas por muito pouco tempo até partir de vez... O lado ruim é a esperança que isso cria no coração daqueles que a amam, mas olhando por outro lado, é a chance daquela pessoa dizer tchau, mesmo que seja apenas com um sorrisinho. É a chance de ela dizer adeus mostrando que não é aquela pessoa doente na cama, mas sim aquela que levou uma vida inteira bem longe daquele hospital, sorrindo e aproveitando a vida.
    Bjão e força, estamos juntos!

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